sábado, 23 de janeiro de 2010

só um vagão

para ti é só o vagão atravessando a estepe. há muito te esqueceste ou te abstraíste que há uma locomotiva e outros vagões, à frente e atrás do teu. do lado de fora, é só um vagão, o teu vagão, que vês, andando no seu ritmo sonâmbulo, impelido para a frente por fantasmas metálicos, a fricção do ferro dos trilhos e das rodas chispando faíscas, e uma indiferença grandiosa à sua passagem. ninguém vê este vagão?, e perguntas-te como isso é possível, se ele atravessa cidades, vilas, aldeias, cruza pontes, soma fronteiras. ninguém o vê? então como é que tu vais dentro dele e o vês passar? e ninguém o trava?

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

o que me há-de matar

o que me há-de matar é saber que vou errar até ao fim, mil anos que viva. o que me há-de matar é a fome com que devoro o optimismo. o que me há-de matar é uma dor no peito que não se decide a doer. o que me há-de matar é esta espécie de ausência de morte em que vivo.

a placa

fechei para o mundo. como uma loja que não tem mais a quem vender a sua mercadoria obsoleta e sem préstimo. sapato sem par. perfume sem cheiro. riso sem esperança. futuro sem infância. fechei para o mundo e coloquei uma placa na porta que diz: já não volto.