quinta-feira, 30 de julho de 2009

queda

um caminho feito em profundidade, descendo, descendo sempre, uma descida longa e demorada na aparente horizontalidade do trajecto, ilusoriamente sem fim à vista porque existe sempre um fim. descendo, descendo sempre, sem metáforas - nem um ramo a que deitar a mão para abrandar a queda - no caminho.

terça-feira, 28 de julho de 2009

cerco

o pavor do cerco. paredes que se movem na tua direcção mesmo se tu as não vês, especialmente se tu não as vês. uma asfixia lenta mas inexorável, o ar que se esvai, sangue comprimido a latejar, sentindo a estreiteza cada vez mais sufocante das veias, da carne a rodear as veias, da pele a cobrir a carne, das paredes a cercar a pele.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

lado nenhum

já não tens um espaço a que chames teu, perdeste-o ou abandonaste-o, não importa. ou foste expulso, também já não importa. no momento em que puseste o pé no estribo desse comboio invisível, quando tomaste o teu lugar na carruagem ao lado de outros viajantes, igualmente deserdados de um lugar próprio, igualmente em trânsito para a eternidade hedionda do círculo, nesse momento disseste adeus ao espaço que te pertencia e passaste a ser de lado nenhum.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

controle

a esperança é uma droga gratuita em que por vezes te deixas enlevar. conheces os seus efeitos e no início até acredito que a controlas, mas mais depressa do que imaginas é já ela quem te controla e tu já perdeste a noção das tuas expectativas e a consciência dos teus limites. a esperança subjuga-te e, mais do que isso, abandona-te derrotado.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

haiku 2

o comboio confia
no paralelismo
dos trilhos

terça-feira, 14 de julho de 2009

agora

a recordação é uma porta interdita, a memória um armário fechado, a nostalgia um livro proíbido. toda a matéria que compõe a história foi triturada e atirada ao vento do alto da mais alta torre que é a privação de passado. a tua herança é esta, um relato de viagem que se inicia no preciso momento em que és agora. nem um segundo antes.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

domingo, 12 de julho de 2009

caminho

existe um caminho da perdição e um caminho da redenção. não é certo que quem faça um faça o outro. e há quem se confunda em tais caminhos. quantas vezes pensas estar a salvar-te e na verdade estás a perder-te cada vez mais? a viagem é longa, o engano é longo.

a soma das perdas

o peso incomensurável da perda. a soma de perdas concretas, diárias, umas maiores do que outras, mais pesadas, mais difíceis de suportar, perdas reais que se acumulam umas sobre as outras, se misturam numa magma ao fim de um tempo irreconhecível, destratificada, apenas percebida, sentida, conhecida como uma perda só, única, sem tamanho. “tudo quiseste tudo perdeste”, ouve a avó murmurar-lhe ao ouvido, a voz vindo de um lugar ao longe mas sentindo o bafo da velhice entrar-lhe pelas narinas, palavras em gengivas, sibilinas e escarninhas, como um aviso de serpente antes ignorado e agora jubiloso na vingança dos factos. tudo quis mas não é esse o tipo de perda que agora o subjuga, ou não é só isso, essa é apenas uma parcela minúscula no cômputo da grande perda, algo que vai muito além das coisas que se podem ganhar, conquistar, encontrar e que se podem perder também.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

clandestinidade

viajo clandestino por isso as pessoas que me vêem sentado à secretária a trabalhar não sabem que eu viajo. nem sabem como me desilude falarem de mim com ausência de saudade, como se eu estivesse ali com elas, à frente delas, a dialogar com elas. porque eu na verdade não estou ali, há muito que deixei aquele lugar que era a minha secretária, e todos os outros lugares que um dia me foram familiares, tristes ou felizes. eu já não estou em nenhum desses lugares, e estranho sempre as pessoas não falarem de mim como eu estando morto, ou desaparecido, ou exilado. porque é morto, desaparecido e exilado que me sinto a maior parte das vezes.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

por ti

por ti mentia
o amor tem tanto de cobarde
como de quebrável
face à verdade