terça-feira, 29 de setembro de 2009

arame

a conversão do desespero em esperança nunca poderá dar origem a um futuro sem medo. mas é dessa matéria que o futuro é feito. porque contém em si a raiz do improvável, a ameaça de não concretização, e uma alienada submissão ao irracional e ao milagre. uma vida vivida nesse arame consome e ao mesmo tempo alimenta. uma vida de arame. moldada ora ao desespero ora à esperança.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

possibilidade

a possibilidade da alegria é isso mesmo, uma possibilidade. um milhão em mil. mas às vezes, contra todas as expectativas, ela acontece. e então ficas alegre. uma criança de quatro, cinco anos (há quanto tempo brincaste com a alegria pela última vez?), com mais nada para fazer na vida senão ser feliz e alegre.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

poço

um apaziguamento como a água parada de um poço.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

confronto

acabas por aceitar a violência como se aceita um vizinho importuno. fazes por seguir a tua vida tentando esquecer-te que ela existe mesmo sabendo que mais cedo ou mais tarde, ao saíres ou ao entrares em casa, te vais confrontar com ela e que ela te vai tirar do teu sossego e te vai tirar mais alguns minutos de vida. a violência entrou na tua vida. conseguirás ainda evitar que ela se espalhe da tua vida para a dos outros? conseguirás contê-la em ti?

terça-feira, 8 de setembro de 2009

um deles

e se eu fosse um deles? acordo sobressaltado com esse pensamento, sem saber se o sonhei, se o antevi, se o pensei de facto. e se eu for um deles? se eu for um deles, se eu me vir do lado de lá de mim convencido que ainda sou eu mas já não o sendo, se eu for um deles é porque já estou morto sem o saber.

esquecimento

não te esqueço, dizes, mas é uma promessa que sabes que não podes cumprir. os dias entopem-te de coisas que não podes esquecer, coisas bem mais importantes na ilusória escala das coisas importantes e, pensas, é natural que alguma coisa se esqueça, que alguma coisa fique para trás. e quem fica para trás, esquecido, acaba sempre por ser alguém, alguém a quem ainda ontem à noite ou hoje de manhã prometias não te esqueço.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

sob a árvore

um abrigo sob a árvore, aninhado junto às raízes salientes do tronco, semi-enterradas na erva, muito quieto, o olhar nos trilhos ali a poucos metros, os ouvidos atentos ao nunca mais chegar do comboio. pode existir uma ternura muito grande na espera, não sei se o disse agustina. estás aí sob a árvore à espera que o comboio passe para que nesse instante, quando ele passar em frente aos teus olhos com o seu barulho de ferro contra ferro, tu te imaginares seu passageiro. e quando por fim o comboio passa, tu do teu abrigo vês-te passar num lugar sentado à janela, olhando as árvores.