sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

haiku 10 (duplo)

a mágoa
é uma água


tortura a sede
e não
a mata

sábado, 19 de novembro de 2011

distância

também a definição de distância se altera. não quer dizer que mude o ponto de partida e o ponto de chegada. mas a distância é já outra lonjura, outro abismo. estar perto, mesmo junto, o que quer dizer, se a distância se interpõe entre as almas como um corpo?

domingo, 23 de outubro de 2011

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

por favor

não houve viagem de volta. não houve uma cama feita de fresco e as janelas abertas, flores novas na jarra. não houve a hora da mesa, a hora que vale todas as horas da semana. não houve a despedida no cais, não houve a indicação precisa "ida e volta, por favor" e o por favor é mais dirigido aos deuses do que ao homem da bilheteira. não houve o riso e nem sequer o choro. houve nada.

domingo, 18 de setembro de 2011

desta vez

e se a casa a que te traz o comboio não é afinal a tua casa? os trilhos são os mesmos, a estação onde desces é a mesma. mas logo aí, na estação, um vento de sentido contrário é um prenúncio que há algo de errado no teu regresso, desta vez. abrem-te a porta de casa e tu entras, reconheces nos rostos de todos todos os que esperas lá encontrar. mas a fechadura foi um pouco mais renitente desta vez. bebes o café pela tua chávena de sempre, os livros estão onde os deixaste da última vez, o gato continua aparvalhado na tua presença. mas, desta vez, as paredes estão diferentes. há novas divisões na casa onde tu jamais irás entrar.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

convencimento

tento convencer-me: palavras são só palavras e mesmo palavras que dilaceram são só palavras que dilaceram. mas fica a marca no coração magoado. pois fica. mas é uma marca de palavras. e palavras são só palavras, pois são?

sábado, 9 de julho de 2011

mina

quando se percebe que nem a morte é uma saída, começa a viver-se uma condenação à vida. é um processo penoso e perpétuo, sem escapatória nem absolvição. uma pessoa descobre que todos os dias há-de acordar, com sol ou com chuva, doente ou saudável, sozinho ou acompanhado, mas que essas circunstâncias pouco ou nada importam porque o que unicamente importa é que nasceu mais um dia e ele terá que ser irremediavelmente vivido. o que faz do sono – quando ele é possível – o mais parecido com a trégua da morte. mas sim, nem sempre o sono é possível. há noites, e são muitas, em que a vida nos vai buscar ao catre e nos impõe algo muito parecido com a tortura do sono com que as tiranias tentavam quebrantar os prisioneiros mais obstinados. tu és resistente e forte porque aceitas a tua sorte. mas até quando vais aguentar o ferrão da revolta sem soltares o grito? por quanto mais tempo te conseguirás manter nesse torpor obediente, nessa maré vaza de auto-respeito e de vontade? e eis-me chegado a mim: está a minha alma soterrada numa mina funda ou é ela a mina funda?

sábado, 25 de junho de 2011

telhados

pairas sobre os telhados

como um pássaro de antenas

asas que planam sem planos

lamentos subindo as empenas


o céu é mais perto e mais lento

quase se toca com a língua e o sono

sobrevoa contigo como se dentro

de ti corresse um rio morno


que já foi chuva e escorreu pela goteira

e das telhas afastou gatos molhados

como a noite se revela por inteira


como a noite se transforma em casas

e os corpos que se juntam são telhados

sob os quais dormem amantes sem asas

sexta-feira, 6 de maio de 2011

avesso

quando te confrontas com o teu avesso finalmente sabes. antes disso não. não poderás saber. sabes então quem tu não és, mais do que quem és. sabes o que nunca serás. o teu avesso tem as tuas marcas todas gravadas, as passadas, as presentes e as futuras. tens de olhar para o teu avesso para te veres fora de ti.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

nós

a família é feita de fragmentos e cola.

sábado, 1 de janeiro de 2011

face

existe a impossibilidade do recomeço como a impossibilidade de outra virtude qualquer. falo por mim, e falar por mim é quase um peso insuportável, um fardo difícil de aguentar, um cinto de cilício que me deixa a alma áspera e em ferida. começar pressupõe uma inocência a que perdi o direito. não há inversão redentora, não há reverso possível nesta moeda de uma só face. sou eu, e só eu, seja de que lado me olhe, seja de que perspectiva me veja. e esta superfície plana e unilateral é um desespero de dias e dias sem fim.